quarta-feira, 8 de julho de 2009

As vendas porta a porta e os mercados emergentes

A distribuição de produtos ao mercado consumidor por meio das vendas “porta a porta” não é novidade para os brasileiros. Apesar da grande popularidade nos setores de cosméticos, perfumes, bijouterias e embalagens plásticas para alimentos, importantes empresas de alimentos e bebidas, como Coca-Cola e Nestlé, estão entrando com grande força nesse canal de venda direta. Além de se caracterizar como uma inovação no canal, o ingresso neste tipo de venda direta exige, muitas vezes, adaptações no conceito do produto e das embalagens, daí a necessidade de haver uma forte coerência entre as estratégias de negócio, inovação e marketing em sua implementação.

O surgimento das vendas “porta a porta” deu-se através dos mascates, ambulantes que já na Idade Média levavam produtos a populações distantes. No mundo moderno, a utilização deste canal pela Enciclopédia Britânica no fim do século XVIII a tornou pioneira neste sistema de comercialização. Sua popularização ocorreu no século XX nos EUA, e assistiu à sofisticação das técnicas de vendas com a reunião de grupos de clientes potenciais com o intuito de realizar experimentações através de práticas de socialização.

No Brasil, a primeira empresa a ingressar fortemente neste tipo de canal foi a Avon, que mediante o sucesso das vendas porta a porta nos EUA, implantou no Brasil, em 1959, o sistema. Nas décadas seguintes, diversas empresas nacionais e estrangeiras também iniciaram suas vendas diretas, como a Natura (1969), Rhodia (1970), Amway (1990) e Contém 1G (2004).

Apesar de sua disseminação em diversos setores, a sua aplicação em alimentos e bebidas é bastante complexa, uma vez que sua implementação exige um rígido controle da maneira como seus revendedores armazenam os produtos, e que sua aplicação gera alto custo para a empresa devido à necessidade de um grande contingente de vendedores e de se construir centros de distribuição próximos às regiões onde serão vendidos.

A Nestlé, visando conquistar consumidores nas classes C, D e E, iniciou em São Paulo um sistema de distribuição porta a porta, o qual conta com uma infraestrutura de microdistribuidores localizados em bairros periféricos, responsáveis pela contratação de sua força de vendas dentro da comunidade em que estão instaladas. A utilização do canal vai de encontro à plataforma estratégica de crescimento do grupo, qual seja, o desenvolvimento de negócios voltados para os consumidores de baixa renda, os quais representam um mercado estimado de R$ 2,8 bilhões no mundo. Em 2008, por exemplo, as vendas de produtos da multinacional voltados para consumidores de baixa renda geraram um faturamento de R$ 1 bilhão de Reais, sendo o total do valor bruto da produção igual a R$ 13,4 bilhões.

No Brasil, o sistema de comercialização utiliza a marca “Nestlé Até Você”, e conta, depois de 3 anos de sua implementação, com aproximadamente 140 microdistribuidores e 6 mil revendedoras. Apesar de não possuírem qualquer vínculo empregatício, a Nestlé se reponsabiliza pelo treinamento, que incluem o desenvolvimento de importantes conceitos que envolvem sua linha de produtos, como saúde e nutrição, pelo preparo de programas de incentivo e fidelização, pela confecção do catálogo de vendas e outras atividades de suporte. As vendedoras trabalham em regime de comissão, e por terem como prazo de pagamento da mercadoria adquirida cerca de 20 dias, podem negociar com seus clientes as formas de pagamento.

Este tipo de venda direta preconiza uma relação de confiança entre vendedor e consumidor, e apesar de encarecer o produto final em 10%, a multinacional descobriu em uma pesquisa, que os moradores da periferia gastam muito com transporte na hora de realizar suas compras. Dessa forma, o preço mais elevado é compensado pela facilidade na hora da aquisição e pelo bom relacionamento entre as partes envolvidas.

No entanto, este esforço de aproximação com consumidores de baixa renda exige, além da adequação da infraestrutura de distribuição inerente à adoção das vendas porta a porta, uma adaptação de seus produtos. Objetivando suprir as necessidades da população que compõe a base da pirâmide econômica nacional, os produtos ofertados devem ter como diretriz no seu desenvolvimento a existência de nutrientes e vitaminas que diminuam as carências nutricionais típicas da população carente.

Assim, o ingresso no sistema de vendas porta a porta gera inovações em diferentes níveis da cadeia de valor. Ao mesmo tempo em que exige novos mecanismos de coordenação e controle nas atividades de distribuição, traz consigo a necessidade de adequar os produtos ofertados à demanda envolvida, gerando, portanto, inovações de produto.

Por Julia Taunay Perez
Analista responsável pela análise setorial do bloco de Alimentos e Bebidas da Lafis. Mestranda em Administração de Organizações pela FEA-RP. Graduada em Ciências Econômicas pela Unesp.

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